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Ano começa aquecido e traz otimismo para parte da indústria


 
Para alguns setores da indústria, 2014 começou com ritmo de encomendas mais aquecido que o de 2013 e perspectiva de aumento de produção. Empresas dos segmentos de carrocerias de ônibus, calçados e móveis ouvidas pelo Valor informaram que o ritmo dos pedidos dos clientes no início do ano está até 20% mais forte do que no mesmo período do ano passado.

O tom mais otimista nas projeções para o ano aparece também entre representantes dos setores de revestimentos cerâmicos e papelão ondulado, que preveem alta na produção e vendas neste ano, motivada pela continuidade do aumento do consumo.

O câmbio, no cenário desses industriais, será elemento de ajuda às exportações, que terão alguma melhora provocada pela desvalorização do real ante o dólar. Entre as empresas que apostam na possibilidade de ampliar as vendas externas neste ano estão a Randon, fabricante de autopeças e maior produtora nacional de reboques e semirreboques rodoviários, a Democrata, fabricante de calçados, e a Saccaro, de móveis.

O pessimismo, no entanto, prevalece em outros setores da indústria em que a falta de confiança no cenário macroeconômico sobrepõe-se aos efeitos positivos das eleições e da Copa do Mundo. Representantes de entidades dos setores eletroeletrônico e de máquinas e equipamentos, por exemplo, ressaltam preocupação com o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com inflação e juros mais altos.

Apesar de estimarem desempenhos diferentes, há algo em comum nos dois grupos de empresários: todos ecoam a ideia de que o governo precisa gastar melhor, com prioridade ao investimento, e de que o atual patamar do câmbio - e mesmo R$ 2,45, como previsto para o fim do ano pela maioria - não é o ideal para uma forte recuperação da indústria. Para os empresários, a taxa que alavancaria a competitividade, nas suas próprias estimativas, estaria entre R$ 2,80 e R$ 3,50.

O cenário sombrio traçado pela Marcopolo em novembro de 2013, quando a fabricante de carrocerias de ônibus elaborou as projeções para 2014 com previsão de queda na produção e receita estagnada, se dissipou e agora apresenta "sinais de melhora", disse o diretor de relações com investidores, Carlos Zignani. Com as "mudanças no horizonte", o desempenho da empresa no primeiro trimestre já deverá ser melhor do que o mesmo período do ano passado. "Estamos com a carteira de pedidos tomada até o fim de março", disse. Nesta mesma época de 2013, as encomendas iam até o fim de fevereiro.

O impacto da desvalorização do real sobre as exportações, a prorrogação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), a licitação de ônibus escolares pelo Ministério da Educação e a gradual normalização da venda de modelos urbanos e rodoviários no mercado interno são as razões da reviravolta nas previsões da Marcopolo. "Do pessimismo de novembro de 2013, 80% já passou e estamos mais otimistas", afirmou Zignani.

Para o presidente da Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), Sergio Amoroso, o ano também começa com boas estimativas, avaliação partilhada pelo superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer), Antonio Carlos Kieling. "Estou otimista. Acho que teremos um ano razoável, não será extraordinário, mas será bom", diz Kieling. O setor de revestimentos cerâmicos em 2013 cresceu 5% sobre 2012 em produção e comercialização. E ele estima que deve crescer outros 5% em 2014 sobre 2013.

"A turma está muito pessimista, mas o governo tem feito algumas coisas, como as concessões. Apesar de toda essa contabilidade, esse rolo (na área fiscal), há alguns fatos reais, como por exemplo não haver desemprego. Se você não tem desemprego, tem atividade econômica, tem consumo e tem geração de impostos. 2013 foi um ano de baixo crescimento pelo PIB, mas a arrecadação foi recorde", destacou Amoroso, da ABPO. O setor de papelão ondulado, importante termômetro da atividade econômica, cresceu 2,91% em 2013 ante 2012 e Amoroso prevê alta de 3,5% a 4% em 2014 frente a 2013.

A visão da ABPO e da Anfacer é diferente da que tem o presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex) e 2º conselheiro-secretário da Abit, Ulrich Kuhn, que está pessimista com o desempenho do setor têxtil no país em 2014. Ele estima uma elevação muito pequena das vendas no ano, entre 1% e 3%. "Os macroproblemas são maiores do que os assuntos Copa do Mundo e eleição, que fariam a economia andar em um ritmo melhor", acredita Kuhn, receoso de que a inflação poderá ter impactos mais significativos na perda de poder de compra da população, com queda no consumo no ano. "Apesar de a inflação estar encostada em 6% há três anos, para boa parte da população já se sabe que ela é maior do que isso", disse.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, reforça o grupo dos pessimistas. Ele diz que, à exceção do setor de televisores, que poderá ter vendas mais robustas com a Copa, o cenário "é bastante preocupante", pela tendência de aumento dos juros em razão da perspectiva de inflação maior. "Em 2013, a inflação foi contida em um patamar alto, e que não é o ideal. O governo esqueceu do centro da meta de inflação, e por isso o Banco Central vai ter de continuar com o aumento de juros. Naturalmente, isso implica em menor consumo", avaliou.

Nas projeções em dólar da Abinee para 2014 as exportações do setor não crescem, há alta de 4% nas importações e o faturamento do setor cai 3% neste ano em relação a 2013. Além disso, não há previsão de avanço significativo dos investimentos para este ano. "Não é o câmbio a R$ 2,50 que vai repor a competitividade para a indústria voltar a ser exportadora", diz Barbato, para quem os altos custos de logística ainda dificultam a competitividade das empresas no país.

No setor têxtil, a argumentação de Kuhn é que a desvalorização do real pode levar a importação a uma situação mais estável, mas não deve acelerar as exportações. Ele destaca que o dólar a R$ 2,45 é "muito mais um inibidor de importações do que propriamente uma alavanca para as exportações". Ele diz que as empresas ainda temem ampliar esse tipo de operação pela alta volatilidade do câmbio nos últimos anos. Nas suas projeções, a balança comercial do setor deve fechar 2014 com déficit similar ao de 2013, estimado m torno de US$ 6 bilhões.

Carlos Pastoriza, diretor da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), tem avaliação similar. Ele afirma que o comércio exterior até poderá ser mais positivo para o seu setor em 2014, com melhora de 4% nas exportações, por conta da recuperação da economia americana e europeia, além de impactos positivos da "leve correção" do câmbio. Também diz que poderá haver redução em torno de 5% nas máquinas importadas pelo país. Mas apesar dessa mexida na balança, no entanto, ele vê em 2014 um "ano de estabilidade", em que o setor repetirá o resultado "que não foi bom" de 2013. "Não deve ocorrer nem subida nem descida importante de faturamento, nem de produção física, nem de investimentos", destacou.

Na ponta mais otimista das previsões de vendas ao exterior influenciadas pelo real desvalorizado, a Democrata prevê expansão de 30% nas exportações e a Saccaro, de 15%. Segundo o gestor de negócios da Democrata, Marcelo Paludetto, as exportações, que em 2013 somaram US$ 12 milhões e passaram a representar 25% da produção (eram 20% em 2012), devem crescer mais 30% este ano. A expansão a ser alcançada seria o retorno pelos esforços da Democrata nos últimos anos para incrementar as vendas ao exterior, que ainda estão em patamar inferior ao pré-crise de 2008. A empresa, que vende para 55 países, passou a explorar mais o conceito da marca e abrir lojas no exterior, como Paraguai e Equador, algo que fazia menos quando conseguia disputar as vendas pelo preço mais barato. "Após a mudança 2010, 2011, 2012 foram anos mais lentos, estávamos descobrindo como nos reposicionar. Agora estamos colhendo um pouco desses frutos".

Na Democrata, 2013 já foi melhor que o esperado. A produção cresceu 13%, a 1,6 milhão de calçados, e deve chegar a 1,7 milhão em 2014. Desde novembro, quando começam os pedidos dos lojistas para o ano seguinte, a empresa já registra volume 20% maior de encomendas do que no início do ano passado.

A Saccaro relata que também já sente reflexos positivos de encomendas feitas no fim do ano passado, que estão colocando a fábrica em um ritmo mais acelerado em janeiro. Gustavo Scola, gerente de exportação, diz que houve pedidos mais fartos tanto no mercado interno quanto na exportação entre novembro e dezembro, com aumento das encomendas para janeiro estimado entre 15% e 20%.

O quadro no exterior também é positivo para a Saccaro, que fez abertura de lojas entre 2011 e 2013 no México e nos EUA. Scola estima vendas maiores no mercado internacional em 2014 como reflexo disso. Segundo ele, a Saccaro opera bem com o dólar entre R$ 2,15 e R$ 2,20 e disse que a R$ 2,40 é "excepcional", dando mais competitividade e liberdade de negociação de preços.

A fabricante de autopeças Randon acredita que o crescimento previsto para as exportações em 2014, graças ao câmbio, será suficiente para compensar a perspectiva de mercado "um pouco menor" nos setores de implementos rodoviários e caminhões pesados - que cresceram mais de 30% no ano passado. Erino Tonon, vice-presidente de estratégia e desenvolvimento do grupo Randon, explica que um dado positivo para os fabricantes de caminhões e implementos é a previsão de crescimento de 5,2% na safra brasileira de grãos 2013/14, para 196,7 milhões de toneladas, além da valorização do dólar para uma faixa próxima dos R$ 2,40. "Com isso todas as empresas organizadas têm condições de compensar a pequena baixa no mercado interno com exportações", comenta Tonon.

Na Têxtil Bezerra de Menezes (TBM), com fábricas no Ceará e no Mato Grosso, o presidente Ivan Bezerra Filho também avalia que 2014 será um pouco melhor que o ano passado. Entre dezembro e janeiro, segundo ele, as vendas ficaram acima das expectativas. Isso não significa, entretanto, que a empresa já fará novos investimentos. "Temos importantes planos de investir, mas só vamos fazê-lo quando o cenário de crescimento estiver mais consolidado", disse Bezerra, que já presidiu o Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do Ceará. A TBM trabalha desde 2010 com 100% da capacidade instalada e, por este motivo, não vai apresentar crescimento da produção este ano. A expectativa é de manutenção dos mesmos patamares dos últimos anos.

Fonte : Valor Econômico/Site da Secco Consultoria 

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